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Agentes comunitários de saúde sofrem com violência no Nordeste

Pesquisa indica que dados são "alarmantes", diz Fiocruz

08/10/2023 10h55
Por: Jornalismo | Timon Maranhão Fonte: Agência Brasil
© Fernando Frazão/Agência Brasil
© Fernando Frazão/Agência Brasil

Estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz do Ceará (Fiocruz Ceará) mostra o impacto da violência e da pandemia de covid-19 nos agentes comunitários de saúde (ACS) do Nordeste, abrangendo quatro capitais (Fortaleza, Recife, João Pessoa e Teresina) e quatro cidades da região (Crato, Barbalha, Juazeiro do Norte e Sobral).

Os mais de 20 pesquisadores de cerca de 13 instituições do Brasil e do exterior farão, até o final deste ano, o desenvolvimento das informações em todos os municípios.

A ideia é continuar coletando dados de forma contínua, disse àAgência Brasila coordenadora da pesquisa, Anya Vieira Meyer, da Fiocruz Ceará. Na última quarta-feira (4) foi comemorado o Dia Nacional do Agente Comunitário de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias. A pesquisadora da Fiocruz Ceará está em Boston para avalizar os dados junto com cientistas da Universidade de Harvard, Estados Unidos.

O estudo entrevistou 1.944 agentes de oito cidades nordestinas. Os primeiros resultados de 2021 revelam que a violência afetou a saúde mental de 64,7% deles e a saúde física de 41,1%.

Em relação à covid-19, ficou demonstrado que 77,6% trabalharam na linha de frente contra a doença e 83,8% não receberam treinamento contra a covid-19. Para 80,7%, a violência não influenciou na atuação dos agentes durante a pandemia.

Do total dos entrevistados, 40,4% avaliaram que o processo de trabalho em equipe melhorou durante a covid-19, enquanto para 37,9%, houve piora.

Dados alarmantes

De maneira geral, a coordenadora da pesquisa indicou que os dados são alarmantes. Em relação à aúde mental, cerca de 40% dos agentes comunitários de saúde estão em risco de transtornos mentais comuns, como ansiedade e depressão, em todos os municípios pesquisados.

O uso de medicamentos para controle dos transtornos alcança entre 15% e 20% dos agentes. “Notamos decréscimo de uma série de atividades que eles faziam na comunidade, por conta desse adoecimento”.

Muitos agentes deixaram de exercer algumas ações devido à questão da violência. Em função da covid, diminuíram as visitas domiciliares, as ações de promoção à saúde nas residências e, também, nas escolas. “Todas essas atividades caíram nesse período”.

Fortaleza

Em Fortaleza, onde o levantamento foi iniciado, em 2019, para apurar o impacto da violência e, em 2021, para apurar sobre a doença, os dados revelam que nas comunidades mais vulneráveis, ou mais desfavorecidas, a covid-19 afetou de forma mais forte a ação dos agentes locais, que reduziram suas atividades, também devido ao medo a violência.

Na capital cearense, os dados revelam que antes da pandemia, 32% dos comunitários apresentavam risco de transtornos mentais comuns. Em 2021, esse percentual pulou para 50%.

“A questão da saúde mental, que é um problema para todos, afeta de modo particular os agentes, que estão na comunidade e interagem diretamente com o público e com o território que, infelizmente, é violento”, disse a coordenadora.

Anya Vieira Meyer informou que das 30 cidades mais violentas do mundo, seis são capitais do Nordeste brasileiro.

“Por isso, a ideia de trabalhar com dados do Nordeste”. Oranking é feito pela organização não governamental (ONG) Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça Penal, do México. “A gente sabe que, de fato, isso tem afetado os agentes, as comunidades em geral, os territórios, a vida das pessoas. E para eles, que estão na comunidade no dia a dia, batendo de porta em porta, trabalhando, isso pesa ainda mais na vida deles”, afirmou Anya.

Destaque

A prefeitura carioca, por meio da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS), destacou o papel dos agentes comunitários de saúde e do agente de combate às endemias (ACE) em benefício da saúde da população, dentro dos territórios da cidade.

Apesar de desempenharem funções diferentes, as duas categorias trabalham de forma integrada e lidam diretamente com a comunidade, com o mesmo propósito de entender as necessidades e orientar a população. Atualmente, a secretaria conta com 7.692 agentes comunitários e 2.810 agentes de endemias.

Em entrevista àAgência Brasil, o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, avaliou que todos são trabalhadores essenciais para o SUS. “São o principal elo entre as comunidades e as unidades de saúde. Fazem a imensa maioria de procedimentos de promoção de saúde e prevenção de doenças”. Soranz lembrou que foram fundamentais, nos últimos anos, para aumentar a expectativa de vida da população brasileira.

Hoje, 75% de todas as gestantes da cidade do Rio de Janeiro são acompanhadas por um agente comunitário de saúde.

“Mais de 80% dos domicílios da cidade recebem, pelo menos, uma visita de agente de vigilância em saúde no Rio. A gente considera essa categoria como uma das mais importantes dos profissionais de saúde. Eles precisam ser reconhecidos como profissionais de saúde, porque muitos locais ainda não os consideram assim. É uma conquista, é justo e eles merecem”.

Daniel Soranz adiantou que a Secretaria de Saúde pretende ampliar a rede de agentes no município. ”A previsão, no próximo ano, é que de mais 400 agentes de saúde atuando no município do Rio de Janeiro”, afirmou o secretário.

Agentes

Devido ao contato diário com as famílias, muitos agentes acabam criando vínculos e relações de afeto com as comunidades. É o caso da Maria Aparecida Gouveia, que trabalha no Centro Municipal de Saúde Rocha Maia, em Botafogo, zona sul do Rio.

Nas campanhas de vacinação, por exemplo, a agente se transforma também em personagens infantis, para distrair as crianças. Para isso, ela faz uso das aulas de teatro e dos trabalhos em festas, que exercia antes de ser uma agente de saúde.

“Então, para mim, essa integração com as crianças é muito bacana. Elas adoram. Acaba sendo uma atração para os adultos também. Eu já fui paciente da unidade, então conheço alguns usuários. Nos territórios em que eu não tinha vínculo com as pessoas, comecei a criar, faz parte da minha função. Amo trabalhar com essas pessoas. Entendo muito a importância do meu trabalho e acho que chegar com um sorriso no rosto é sempre muito importante”, assegurou.

Já o agente de endemias Gilberto de Souza atua há 12 anos na comunidade Vila Canoas, em São Conrado. Ele trabalha na vigilância, prevenção e controle de doenças como dengue, zika, chikungunya e febre amarela. Ele é capaz também de perceber quando as questões relacionadas ao meio ambiente podem estar associadas às condições determinantes e condicionantes da saúde e da qualidade de vida das pessoas.

Gilberto de Souza afirmou que o trabalho integrado com a equipe do Vila Canoas, bem como a relação com a comunidade, facilita a obtenção de resultados positivos.

“Atividades como visitas domiciliares, palestras, caminhadas e panfletagem nas ruas são realizadas de forma planejada. Construí também um bom relacionamento com a associação de moradores, o que considero muito importante para ajudar a transmitir informações e orientações à população. Hoje, me sinto bastante integrado à comunidade de Vila Canoas e sou muito realizado no que faço, pois reconheço a importância do meu trabalho.”

Bruna Maluf, por sua vez, orienta famílias no condomínio onde mora há quatro anos, em Irajá, zona norte do Rio, e trabalha na Clínica da Família Pedro Fernandes Filho. Ela acredita no contato próximo com as famílias cria vínculos com as mães e, inclusive, com as crianças, o que facilita em períodos de vacinação e na cobrança da atualização da caderneta.

“A gente explica a importância da vacina para a criança, a necessidade de cumprir o calendário direitinho, conversa com a mãe e acaba conseguindo convencê-la que a criança precisa da vacina corretamente, nas datas que a técnica de enfermagem coloca na caderneta”.

Para Bruna, foi primordial morar no território para ter esse contato mais próximo com os pacientes. Em entrevista àAgência Brasil,ela disse que está se formando em técnica de enfermagem e afiançou que a experiência como ACS ajuda no curso e vice-versa. “Ajuda demais o conhecimento”.

Saúde coletiva

Na avaliação da pesquisadora da Fiocruz e da Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Angélica Ferreira Fonseca, a atenção primária em saúde constitui a principal frente de expansão dos direitos à saúde no Sistema Único de Saúde (SUS).

“Se hoje há uma presença mais marcante nos municípios brasileiros, isso, em grande parte, se deve à expansão da atenção primária em saúde, onde atuam os agentes de saúde e de combate às endemias . É por meio do trabalho deles que o SUS tem a possibilidade de estar presente no território, nas comunidades. É o SUS se fazendo presente no cotidiano da população brasileira, sobretudo no cotidiano da população mais vulnerável, onde a atenção primária em saúde tem a sua atuação mais marcante.”

A pesquisadora acentuou que os agentes levam a ação do SUS às famílias de uma forma não simplificada, enfrentando desafios de educação em saúde, porque esse é o eixo fundamental do trabalho do agente de saúde.

“Ele concretiza as ações de educação em saúde e permite você ter um olhar mais amplo para o que é o cuidado. Não é ficar centrado apenas no aspecto curativo. É trazer a dimensão social, a vida real das pessoas para o SUS”.

Por estar presente no território, é mais fácil perceber situações que, às vezes, estão desapercebidas pela família. Situações de sofrimento psíquico, de carência material podem ser levadas pelo agente para os serviços de saúde e para o SUS. Do mesmo modo, eles estão em contato com os vários segmentos da população que são prioritários para o SUS, como crianças, pessoas idosas, gestantes.

Sobre o agente de combate a endemias (ACE), a pesquisadora da Abrasco e da Fiocruz salientou que é também o trabalhador que está no território, fazendo uma ponte fundamental entre as pessoas com o ambiente.

“A gente sabe que os problemas de saúde se constituem em uma rede intrincada de fatores. O fator ambiental é fundamental. O mesmo ocorre com os fatores de educação e cultural. Esses trabalhadores, por estarem no território, têm a possibilidade de tornar o SUS presente.”

* Colaborou Vinicius Lisboa

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